O abuso sexual é uma das mais graves violações dos direitos das crianças e dos adolescentes. O ato, comumente cometido por conhecidos ou parentes próximos, deixa marcas físicas e emocionais difíceis de serem apagadas. Mas uma boa rede de apoio familiar e políticas públicas eficientes são a chave para a vítima superar e ressignificar a violência sofrida.
Em Fortaleza, a Prefeitura mantém o Rede Aquarela, programa executado pela Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), que desenvolve ações de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. O programa é responsável por promover e articular iniciativas de prevenção, mobilização e atendimento especializado para vítimas de violência e suas famílias.
Foi por meio do Rede Aquarela que Ana (nome fictício de uma menina de 8 anos) recebeu os primeiros atendimentos. Vítima de abuso sexual por parte do bisavô, ela e a família estão sendo acompanhadas há mais de um ano na Casa da Infância e da Adolescência, onde fica a sede do programa.
"Senti a necessidade de falar com ela sobre pedofilia e, 15 dias depois, ela desabou me contando tudo. Ela estava muito agressiva e tinha crises de choro no meio da aula, mas isso acabou. Já estamos quase na fase de desligamento do programa e ela não quer parar as sessões. Foi um grande alívio encontrar todos esses profissionais para ajudá-la", conta a tia da menina.
A Casa é um equipamento público, entregue reformado há pouco mais de um mês que, além da Rede Aquarela, é sede dos programas Ponte de Encontro/Adolescente Cidadão e do apoio aos Conselhos Tutelares, todos vinculados à Funci. A integração dos serviços em um só lugar faz parte da reestruturação da Política Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual e Infantojuvenil.
A Casa da Infância e da Adolescência foi requalificada tornando o atendimento acessível, seguro e adequado. O novo espaço conta com sete salas de atendimento humanizado, auditório, refeitório e brinquedoteca, além do plantão 24 horas do Conselho Tutelar. Houve também a ampliação do número de profissionais. A Rede Aquarela está com 11 psicólogos, 11 assistentes sociais, 2 analistas jurídicos e 05 educadores nas equipes de atendimento psicossocial, além de 6 técnicos que formam a equipe dedicada a ações de prevenção da violência sexual.
“Todo ambiente foi pensado para ser lúdico e acolhedor para que a criança se sinta à vontade, desde a espera na brinquedoteca até o atendimento individual com a psicóloga. Grande parte da violência sexual é praticada por um familiar, o que dificulta a denúncia, mas o programa é especializado e passa por constante capacitação para saber lidar com o conflito familiar decorrente dessa denúncia", avalia a coordenadora do Rede Aquarela, Kelly Meneses.
A coordenadora informa ainda que o programa já foi convidado a apresentar a sua metodologia em várias cidades do Ceará e de outros estados interessados em implementar uma política pública semelhante. Segundo Kelly Meneses, Fortaleza é a única cidade do Brasil com uma Rede intersetorial que atua nas instâncias de polícia e justiça nas quais às vítimas de abuso sexual infantojuvenil tanto precisam de atendimento humanizado. "Temos uma equipe fixa na sede da Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca) para acolher e orientar as vítimas e suas famílias no momento da denúncia e já encaminhá-las para o atendimento psicossocial do programa, realizado na Casa da Infância e que se estende pelo tempo necessário até a superação da violência sexual", explica. O Rede Aquarela está organizado em quatro eixos: Disseminação, Atendimento Dceca, Atendimento Psicossocial e Atendimento 12ª Vara Criminal.
Em 2018, o Programa realizou 3.679 atendimentos. Os dados são de abuso e exploração sexual com crianças e adolescentes de 0 a 18 anos. Até junho de 2019, já foram realizados 2.149 atendimentos.
Sala de Depoimento Especial
Em 2017, já como parte das políticas públicas de enfrentamento à violência de crianças e adolescentes, a Prefeitura de Fortaleza inaugurou a primeira Sala de Depoimento Especial de Fortaleza. A iniciativa, fruto da parceria entre a Funci e o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), possibilita humanizar a escuta das vítimas de violência sexual, que não precisam mais passar pelo constrangimento de relatar a violência sofrida na sala de audiência com juiz, promotores e advogado do acusado. Assim, com o depoimento especial, a vítima relata o fato para uma psicóloga em uma sala separada, de modo que tal procedimento é acompanhado pelos demais através de vídeoconferência. O espaço possui sala lúdica de acolhimento para as vítimas, salas de espera e de atendimento social para as famílias e fica situado na sede da 12ª Vara Criminal, no Fórum Clóvis Beviláqua.
Ponte de Encontro
No mesmo prédio, o programa Ponte de Encontro auxilia e desenvolve em todo o município de Fortaleza o serviço especializado de abordagem social de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. A equipe é formada por mais de 40 educadores sociais que realizam atendimento direto, com uma metodologia que respeita os protagonistas dessa vivência, observando seus direitos e dando os encaminhamentos necessários.
"Depois de analisar com cautela a situação vulnerável e iniciar o acompanhamento do público atendido, fazemos visitas domiciliares constantes e, se for preciso, as equipes vão até a escola para verificar a matrícula, frequência e rendimento escolar. Quando você consegue tirar uma pessoa da rua, já é gratificante, imagina uma mãe com quatro filhos que hoje tem casa e educação garantidos, como já aconteceu", explica o coordenador do programa, Milton Augusto Pereira.
Em 2018, foram registrados 1.068 atendimentos e, até junho deste ano, ocorreram 1.609 atendimentos em Fortaleza. A atuação da equipe se dá por meio da compreensão do universo em que eles estão inseridos; da formação de vínculos por meio da escuta qualitativa; da troca de saberes e experiências e das formas de articulação coletiva (artes e brincadeiras) que constituem momentos propícios ao fortalecimento da cidadania.
A partir daí, a equipe consegue identificar e analisar os fatores que motivaram a ida e permanência da criança/adolescente na rua e, posteriormente, são abertos prontuários e produzidos relatórios que são encaminhados às instituições de promoção e defesa do Sistema de Garantia de Direitos para que as devidas providências sejam feitas.
O Ponte de Encontro funciona como auxílio à política pública para a socialização de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. As ações são intensificadas no Centro e o atendimento é feito em todos os territórios da Cidade, assim como terminais de ônibus, ruas e avenidas de grande fluxo, áreas comerciais e turísticas. Diariamente, a equipe volante composta por educadores sociais percorre as áreas mapeadas em todas as Regionais com incidência de crianças e adolescentes com o perfil de atendimento do serviço.
Um dos eixos do programa Ponte de Encontro é o Adolescente Cidadão, que encaminha adolescentes e jovens dentro do perfil e na faixa etária de 14 a 21 anos, para instituições parceiras com a finalidade de contribuir para a inserção no mundo do trabalho. As instituições promovem a formação e dão os devidos encaminhamentos para as empresas cadastradas no Ministério do Trabalho e Emprego que possuem adequados para receber esses adolescente e jovens. Em 2018, dos 868 jovens e adolescentes inscritos, 432 foram encaminhados para os bancos de dados das instituições qualificadoras. Até junho foram 485 inscrições e 263 encaminhamentos.