17 de April de 2024 em Fortaleza

Medalha Iracema: Katiana Pena e a dança como impulso para transformar vidas

A empreendedora social já impactou aproximadamente seis mil crianças com o trabalho realizado no Instituto Katiana Pena


retrato de Katiana Pena
Para Katiana, a Medalha Iracema representa o Bom Jardim. "Não é só a Katiana, é o meu bairro, é a minha família. Meu sentimento de alegria é saber que eu estou dando isso pro bairro, essa homenagem tão bonita." (Foto: Daniel Calvet)

Katiana Pena, nascida e criada no Bom Jardim, toma na dança o impulso para abrir as portas do mundo ao bairro, transformando realidades através da arte. Com o Instituto Katiana Pena (IKP), já impactou aproximadamente seis mil crianças e sonha com um mundo em que todos saibam que "Favela não é o problema, Favela é solução". Katiana Pena é uma das homenageadas com a Medalha Iracema em 2024. A comenda será entregue na próxima quinta-feira (18/04), no Teatro São José, como parte das celebrações dos 298 de Fortaleza, completados em 13 de abril.

Quando os país dela vieram de Quixadá e fizeram morada em Fortaleza, a vida era de pouca fartura e muitas privações. Dona Maria Afonso da Pena Morais trouxe do interior a esperança em dias melhores. Queria dar uma vida boa aos oito filhos que vingaram, dos 19 que tiveram, mas a lida continuou "sofrida e desafiadora".

Para tentar aliviar a fome, a mãe de Katiana botava os filhos para trabalhar. Coube a ela, com o tamanho de seus cinco anos, levar para vender pelas ruas dos arredores uma bacia de legumes plantados em casa. E também encontrar, na busca de vias mais propícias ao diminuto comércio, um outro caminho, a exuberante lona do circo.

Para além das cores e do brilho, o Circo Escola Bom Jardim provia alimentação, e a merenda dava forças para que Katiana passasse os dias, se dedicasse a arte e se estendesse ao (aparentemente) impossível, no picadeiro. Era contorcionista. Passou seis anos no projeto social, pelo circo se apresentou pela primeira vez e dali também veio o primeiro cachê.

"Foi ali o reconhecimento de que eu poderia ser uma solução, um número a menos das estatísticas do nosso bairro, e eu seria, da minha família, um potencial. Eu agarrei isso com unhas e dentes e fiz daquele um lugar de amor e de profissão para mim", relembra Katiana.

Em meio aos anos no circo, apareceu a oportunidade de entrar para a Escola de Desenvolvimento e Integração Social para Criança e Adolescente (Edisca). O balé parecia incompatível com a realidade paupérrima da família, e dona Maria se opôs. "Minha mãe não deixou, mas eu fui mesmo assim fazer o teste", conta Katiana, contrastando a negativa com a descoberta de um mundo.

"Tudo me encantava, porque eu nunca tive acesso a nada assim. Quando eu fiz o teste, que a minha fila subiu na escada e eu vi a sala de dança, eu me vi pela primeira vez no espelho enorme, que antes eu só tinha acesso a um espelho bem pequenininho, aqueles laranjinhas. Eu me emocionava, ficava observando aquele piso de madeira, para mim, tudo era novo", revela.

O primeiro coque foi seguido por outro e mais outro na construção da aplicada rotina da bailarina que tornou-se professora e coreógrafa. Foram 17 anos na Edisca e um aprendizado de cidadania levado para casa. No projeto social, Katiana foi do pequeno ao grande, aprendeu a comer com talheres, viajou o mundo para se apresentar. E entendeu que poderia ajudar a melhorar as vidas da própria família e de muitas outras.

Da Edisca, os passos de Katiana a levaram ao Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ), voltando aprendizados e esforços para dentro do bairro onde morava. Foram 10 anos no equipamento e a solidificação das bases do Instituto Katiana Pena, com o fortalecimento das experiências de arte educadora e do propósito de contribuir para a transformações sociais no Bom Jardim.

Nos dez anos de CCBJ, Katiana reuniu os 11 bailarinos do grupo Corpo Mudança. E foram eles que a acompanharam no inicio do Instituto Katiana Pena, enquanto ela derrubava paredes da própria casa, em 2017, para receber os primeiros 40 alunos que, em oito anos de Instituto, multiplicaram-se em seis mil pessoas beneficiadas com aulas de arte, esporte e fortalecimento da aprendizagem escolar de português e matemática, além do acesso a alimentação.

Na dança e no esporte praticados no Instituto, são reconhecidos, movem-se e crescem um sem fim de potenciais. "Eu queria mostrar esse lado das pessoas trabalhadoras, honestas, competentes, sonhadoras, empreendedoras, pessoas que têm uma referência e um talento e incrível", ressalta Katiana.

E na casa que amplia-se e vai sendo tomada pela intensa rotina de aulas e convivências comunitárias, a empreenderora social reconhecida nacionalmente se encontra com a menina de cinco anos que passava fome e vendia verduras. "Com toda essa oportunidade que me foi dada, de ter uma educação, alimentação e uma ferramenta tão linda e tão importante que foi a dança para mim, nada mais justo que voltar isso para a minha comunidade e fazer o que minha mãe me ensinou muito, que é compartilhar", reflete Katiana, entoando como quem usa uma chave: "devolver casa cheia, comida cheia, mesa farta".

Em 2023, o Instituto Katiana Pena beneficiou 940 educandos, realizando 26.748 atendimentos com aulas de balé, hip hop e percussão, 15.434 atendimentos com aulas de jiu jítsu, muay thay, capoeira e futebol, além de 10.439 atendimentos com aulas de português e matemática. No período, foram ofertadas 42.182 refeições. Em março deste ano, o IKP lançou seu primeiro negócio social, a Loja D'Kebrada. A renda obtida com a comercialização dos produtos é revertida para os projetos do Instituto, contribuindo para a sustentabilidade financeira da entidade.

"Eu jamais imaginaria que a dança poderia ter esse poder de beneficiar (hoje em dia) quase mil alunos", afirma Katiana, refletindo que, entretanto, foi nesse percurso que ela se descobriu empreendedora social. "Quem vem da periferia, da favela, acorda sem ter esse incentivo, sem ter estrutura pra que as pessoas digam que você pode ir atrás das coisas, que dá certo. Então no Instituto elas podem ter esse direcionamento que eu acho importante. Eu tive esse direcionamento. De repente a pessoa não vai seguir carreira com a dança, mas ela pode se tornar uma excelente advogada, cientista, pesquisadora, historiadora... é isso que a arte proporciona, uma esperança de mudança de vida."

O senso de partilha que norteia a trajetória de Katiana contempla também a homenagem que será recebida por ela nesta quinta-feira (18/04). Para ela, a Medalha Iracema representa o Bom Jardim. "Não é só a Katiana, é o meu bairro, é a minha família, é o meu time. Meu sentimento de alegria é saber que eu estou dando isso pro bairro, essa homenagem tão bonita, tão honrosa."

E na partilha ela segue multiplicando. Entre os planos para o futuro da mulher sonhadora, impulsionada tanto pela fé e pela coragem quanto pela dança, está a vontade de contribuir para a formação e o fortalecimento de outros empreendedores sociais. "Estou trabalhando e estudando de que maneira a gente pode se unir mais, compartilhar mais esse conhecimento que nós temos e eles também, para que realmente a gente consiga evitar tantos desafios que encontramos no meio do caminho", diz. Se depender de Katiana, não só o espaço da própria casa será multiplicado na partilha, o Bom Jardim, a cidade e o mundo hão de crescer também.

Medalha Iracema: Katiana Pena e a dança como impulso para transformar vidas

A empreendedora social já impactou aproximadamente seis mil crianças com o trabalho realizado no Instituto Katiana Pena

retrato de Katiana Pena
Para Katiana, a Medalha Iracema representa o Bom Jardim. "Não é só a Katiana, é o meu bairro, é a minha família. Meu sentimento de alegria é saber que eu estou dando isso pro bairro, essa homenagem tão bonita." (Foto: Daniel Calvet)

Katiana Pena, nascida e criada no Bom Jardim, toma na dança o impulso para abrir as portas do mundo ao bairro, transformando realidades através da arte. Com o Instituto Katiana Pena (IKP), já impactou aproximadamente seis mil crianças e sonha com um mundo em que todos saibam que "Favela não é o problema, Favela é solução". Katiana Pena é uma das homenageadas com a Medalha Iracema em 2024. A comenda será entregue na próxima quinta-feira (18/04), no Teatro São José, como parte das celebrações dos 298 de Fortaleza, completados em 13 de abril.

Quando os país dela vieram de Quixadá e fizeram morada em Fortaleza, a vida era de pouca fartura e muitas privações. Dona Maria Afonso da Pena Morais trouxe do interior a esperança em dias melhores. Queria dar uma vida boa aos oito filhos que vingaram, dos 19 que tiveram, mas a lida continuou "sofrida e desafiadora".

Para tentar aliviar a fome, a mãe de Katiana botava os filhos para trabalhar. Coube a ela, com o tamanho de seus cinco anos, levar para vender pelas ruas dos arredores uma bacia de legumes plantados em casa. E também encontrar, na busca de vias mais propícias ao diminuto comércio, um outro caminho, a exuberante lona do circo.

Para além das cores e do brilho, o Circo Escola Bom Jardim provia alimentação, e a merenda dava forças para que Katiana passasse os dias, se dedicasse a arte e se estendesse ao (aparentemente) impossível, no picadeiro. Era contorcionista. Passou seis anos no projeto social, pelo circo se apresentou pela primeira vez e dali também veio o primeiro cachê.

"Foi ali o reconhecimento de que eu poderia ser uma solução, um número a menos das estatísticas do nosso bairro, e eu seria, da minha família, um potencial. Eu agarrei isso com unhas e dentes e fiz daquele um lugar de amor e de profissão para mim", relembra Katiana.

Em meio aos anos no circo, apareceu a oportunidade de entrar para a Escola de Desenvolvimento e Integração Social para Criança e Adolescente (Edisca). O balé parecia incompatível com a realidade paupérrima da família, e dona Maria se opôs. "Minha mãe não deixou, mas eu fui mesmo assim fazer o teste", conta Katiana, contrastando a negativa com a descoberta de um mundo.

"Tudo me encantava, porque eu nunca tive acesso a nada assim. Quando eu fiz o teste, que a minha fila subiu na escada e eu vi a sala de dança, eu me vi pela primeira vez no espelho enorme, que antes eu só tinha acesso a um espelho bem pequenininho, aqueles laranjinhas. Eu me emocionava, ficava observando aquele piso de madeira, para mim, tudo era novo", revela.

O primeiro coque foi seguido por outro e mais outro na construção da aplicada rotina da bailarina que tornou-se professora e coreógrafa. Foram 17 anos na Edisca e um aprendizado de cidadania levado para casa. No projeto social, Katiana foi do pequeno ao grande, aprendeu a comer com talheres, viajou o mundo para se apresentar. E entendeu que poderia ajudar a melhorar as vidas da própria família e de muitas outras.

Da Edisca, os passos de Katiana a levaram ao Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ), voltando aprendizados e esforços para dentro do bairro onde morava. Foram 10 anos no equipamento e a solidificação das bases do Instituto Katiana Pena, com o fortalecimento das experiências de arte educadora e do propósito de contribuir para a transformações sociais no Bom Jardim.

Nos dez anos de CCBJ, Katiana reuniu os 11 bailarinos do grupo Corpo Mudança. E foram eles que a acompanharam no inicio do Instituto Katiana Pena, enquanto ela derrubava paredes da própria casa, em 2017, para receber os primeiros 40 alunos que, em oito anos de Instituto, multiplicaram-se em seis mil pessoas beneficiadas com aulas de arte, esporte e fortalecimento da aprendizagem escolar de português e matemática, além do acesso a alimentação.

Na dança e no esporte praticados no Instituto, são reconhecidos, movem-se e crescem um sem fim de potenciais. "Eu queria mostrar esse lado das pessoas trabalhadoras, honestas, competentes, sonhadoras, empreendedoras, pessoas que têm uma referência e um talento e incrível", ressalta Katiana.

E na casa que amplia-se e vai sendo tomada pela intensa rotina de aulas e convivências comunitárias, a empreenderora social reconhecida nacionalmente se encontra com a menina de cinco anos que passava fome e vendia verduras. "Com toda essa oportunidade que me foi dada, de ter uma educação, alimentação e uma ferramenta tão linda e tão importante que foi a dança para mim, nada mais justo que voltar isso para a minha comunidade e fazer o que minha mãe me ensinou muito, que é compartilhar", reflete Katiana, entoando como quem usa uma chave: "devolver casa cheia, comida cheia, mesa farta".

Em 2023, o Instituto Katiana Pena beneficiou 940 educandos, realizando 26.748 atendimentos com aulas de balé, hip hop e percussão, 15.434 atendimentos com aulas de jiu jítsu, muay thay, capoeira e futebol, além de 10.439 atendimentos com aulas de português e matemática. No período, foram ofertadas 42.182 refeições. Em março deste ano, o IKP lançou seu primeiro negócio social, a Loja D'Kebrada. A renda obtida com a comercialização dos produtos é revertida para os projetos do Instituto, contribuindo para a sustentabilidade financeira da entidade.

"Eu jamais imaginaria que a dança poderia ter esse poder de beneficiar (hoje em dia) quase mil alunos", afirma Katiana, refletindo que, entretanto, foi nesse percurso que ela se descobriu empreendedora social. "Quem vem da periferia, da favela, acorda sem ter esse incentivo, sem ter estrutura pra que as pessoas digam que você pode ir atrás das coisas, que dá certo. Então no Instituto elas podem ter esse direcionamento que eu acho importante. Eu tive esse direcionamento. De repente a pessoa não vai seguir carreira com a dança, mas ela pode se tornar uma excelente advogada, cientista, pesquisadora, historiadora... é isso que a arte proporciona, uma esperança de mudança de vida."

O senso de partilha que norteia a trajetória de Katiana contempla também a homenagem que será recebida por ela nesta quinta-feira (18/04). Para ela, a Medalha Iracema representa o Bom Jardim. "Não é só a Katiana, é o meu bairro, é a minha família, é o meu time. Meu sentimento de alegria é saber que eu estou dando isso pro bairro, essa homenagem tão bonita, tão honrosa."

E na partilha ela segue multiplicando. Entre os planos para o futuro da mulher sonhadora, impulsionada tanto pela fé e pela coragem quanto pela dança, está a vontade de contribuir para a formação e o fortalecimento de outros empreendedores sociais. "Estou trabalhando e estudando de que maneira a gente pode se unir mais, compartilhar mais esse conhecimento que nós temos e eles também, para que realmente a gente consiga evitar tantos desafios que encontramos no meio do caminho", diz. Se depender de Katiana, não só o espaço da própria casa será multiplicado na partilha, o Bom Jardim, a cidade e o mundo hão de crescer também.