"Pode-se dizer que a minha trajetória foi de muito sucesso", descreveu José Anísio Felipe Ramos que, com 62 anos, segue apegado à sua maior paixão: o mar. Inspetor Anísio, ou apenas Anísio, está há 42 anos atuando como guarda-vidas pela Guarda Municipal de Fortaleza, onde já experienciou os mares e ventos da Praia do Futuro, Barra do Ceará e Praia de Iracema. Dono de um olhar sensível e cuidadoso, Anísio hoje lidera o comando da Inspetoria de Salvamento Aquático (ISA) e narra uma história de luta e compromisso com o povo fortalezense.
Nascido em Fortim e tendo um pai pescador, Anísio guarda memórias de ainda pequeno sempre estar no mar. "Às vezes, eu brinco que minha mãe me teve na água". Inspirado pelo irmão mais velho, que é mergulhador, e pelo pai, desde os oito anos lembra de estar na praia entre a areia e a água salgada e com o sonho de se tornar um guarda-vidas. Com o objetivo de melhorar de vida e fincar raízes, a família de Anísio saiu de Fortim rumo à Fortaleza, especificamente para o bairro Vicente Pinzón, onde vive até hoje.
Chegando na capital, com quatro anos de idade, Anísio já se sentia atraído pelo imenso mar azul, principalmente porque costumava acompanhar o pai na pesca e observar a atuação do irmão, que além de mergulhador também é guarda-vidas. Mesmo ainda criança, a afinidade com as equipes da guarda foi se intensificando ao ponto de, quando maior de idade, ingressar no curso para oficialmente exercer a profissão que fazia seus olhos brilharem. Quando tudo estava encaminhado, Anísio foi convocado a servir ao Exército no mesmo período e teve que se mudar para o Pará. “Passei um ano lá no quartel pedindo a Deus pra vim logo embora”, brincou.
Mesmo ficando dois anos desempregado, esperando a vaga, não desanimou. “Assim que abriu uma vaga, eu entrei”. E a partir daí, uma história de 42 anos foi escrita com paixão e compromisso. O guarda ainda lembra o primeiro dia de trabalho, quando foi servir em um posto na Praia do Futuro durante o período de férias colegial. Enquanto caminhava para cumprir serviço, viu dois ônibus lotados de crianças descendo ansiosas para ir para a praia. “Pense numa dor de cabeça”, relembrou sorridente.
Quando perguntado se esperava ficar tanto tempo na profissão, o inspetor explicou que o dia a dia faz algumas reflexões surgirem sobre o que ele poderia ter feito, mas não se imagina fazendo outra coisa com o mesmo amor. Os colegas de trabalho chegam a brincar com o nível de comprometimento dele. “Em pleno feriado, quando dou fé, o inspetor está aqui batendo ponto, sozinho”, brincou um dos guarda-vidas.
História para dar e vender
A trajetória de Anísio também registra casos que marcaram sua carreira e sua vida para sempre. A árdua função fez com aflorasse nele um olhar atencioso e sensível, além de uma expertise ímpar, adquiridos após inúmeras vivências nos diferentes postos ao longo da praia.
O inspetor revisitou um episódio que passou com o ex-jogador da seleção brasileira César Sampaio. Devido às altas temperaturas, Sampaio desmaiou enquanto corria pelo calçadão próximo ao posto de Anísio, que não mediu esforços para auxiliar o atleta. Ele ainda acrescentou: “o socorro nem sempre vem só do mar”.
Em se tratando de mar, a fonte de memórias é inesgotável. Um resgate marcante aconteceu na Praia do Futuro, após os festejos de São Francisco em Canindé. À época, três ônibus de romeiros que vinham da festa naquela Cidade pararam na praia para que as pessoas pudessem tomar um banho de mar antes de voltar para o Piauí, seu estado de origem. “Em um certo momento, nossa equipe ouviu um pedido de socorro e, de imediato, identificamos que se tratava de um afogamento”, detalhou. Os guardas, incluindo Anísio, entraram no mar e resgataram mãe e filha. “A partir desse dia, elas me falaram que eu sempre estaria em suas orações”, lembrou emocionado.
Planos para o futuro
Quando para pra pensar sobre o futuro, Anísio não sabe decidir com exatidão qual será a próxima página de sua vida. “Eu fico aqui até não me quiserem mais”. Ele ainda brinca com o sonho de comprar um barco e velejar mar adentro com o irmão mais velho, mas os olhos sempre voltam para a areia.
Ele ainda confidenciou que essa preocupação vai além dele mesmo. Muitos companheiros de trabalho comumente perguntam para ele: "inspetor, no dia que o senhor sair daqui, o que eu vou fazer?”. E os olhos se enchem de lágrimas. Ao mesmo tempo, Anísio é tomado pelo espírito de deixar um bom legado, que espera ser lembrado por um bom amigo e bom líder.
O inspetor reforçou que os guarda-vidas são sua família e que deixar o posto agora não é uma opção no momento para ele. Por ora, o plano é continuar instruindo os recém formados e os que já integram a guarda. “Sempre que precisam de mim, eu vou. Posso estar em casa, mas eu venho ajudar os meninos”. E ainda acrescentou: “eu costumo falar muito que aqui é uma família de sangue azul marinho, sabe?”.