A reunião do secretariado municipal, realizada na manhã desta sexta-feira (17/09), contemplou um debate sobre desigualdades sociais entre o ex-ministro Ciro Gomes e o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles. O encontro proporcionou aos gestores de Fortaleza um amplo panorama sobre as atuais carências da população brasileira, bem como a discussão sobre possíveis caminhos a serem trilhados pela administração pública para minimizar a problemática.
“Para mim, é um grande desafio, como prefeito, além de manter o andamento de obras de infraestrutura, mobilidade e educação, por exemplo, focar esses esforços na redução das desigualdades. Por isso, é importante ouvir a experiência de autoridades como o Ciro e o Meirelles, que conhecem o país de norte a sul como ninguém, e observar os pontos que eles trarão e que certamente podem contribuir para elaboração de políticas públicas”, declarou.
Ciro Gomes iniciou seu posicionamento destacando que a atual situação de desigualdade no Brasil é a pior possível, comparando o crescimento do PIB nacional entre 1930 e 1980, na faixa de 6,7% ao ano, e os últimos dez anos, marcados pelo estancamento dos números em zero.
O ex-ministro enfatizou que não se trata apenas de denunciar a desigualdade, mas também superá-la. “Na experiência humana, não existe distribuição de renda sem crescimento econômico. É preciso concentrar esforços para justificar como o país que mais crescia no mundo, com disponibilidade de petróleo, tecnologia de manejo do solo e a agricultura tropical competitiva, parou ao mesmo tempo que a população obteve maior qualificação que entre os anos 30 e 80”, disse.
Urgência
Ciro defende o desenvolvimento de um novo modelo econômico, de forma a entender a miséria em aspectos gerais e particulares para socorrer a urgência de quem atualmente passa fome, mitigando as sequelas da desigualdade. “São planos humildes em termos de políticas sociais compensatórias, mas com a cabeça audaciosamente posta na superação e nas oportunidades que permitam sanar a miséria”.
Outra observação de Ciro foi sobre o racismo estrutural, que faz parte da fundação do capitalismo brasileiro, juntamente com o desprezo ético que a elite do País tem por trabalhos mais simples, com menos respeito social e cultural. “É necessário iluminar a consciência popular, aperfeiçoar sobre os deveres e direitos da comunidade de forma que cada conquista seja inserida na rotina das pessoas”, explicou.
Dessa forma, ele propõe a construção de uma base de dados qualificada para compreender a cidade para qualificar políticas emancipatórias, criando uma hierarquia de escalonamento e abordagens para a superação da miséria e da desigualdade.
Impactos da pandemia
Na mesma linha de pensamento, Renato Meirelles reforçou que entender os aspectos dos cidadãos é necessário para fazer a diferença e impactar vidas. Ele incentivou o secretariado a refletir sobre as mudanças que serão realizadas na vida dos fortalezenses por meio do conjunto de ações apresentado durante a reunião, não considerando apenas aspectos técnicos, mas também humanos.
Em seguida, Meirelles resgatou a realidade factual, trazendo o contexto da pandemia da Covid-19 e como o isolamento social afeta diferentemente as classes sociais, pontuando a realidade de quem não pode trabalhar em home office, por ser inacessível, além das diferenças de moradia de acordo com a renda das famílias.
Para ele, o papel do Estado é diminuir este tipo de discrepância. “Cerca de 78% dos moradores de favela foram obrigados a escolher entre a fome e o vírus. Também há a discussão entre a saúde versus a retomada da economia, sendo que o maior mercado consumidor é justamente o grupo de risco, cerca de 80 milhões de pessoas”, compartilhou.
Meirelles salientou, ainda, a importância do papel da Internet na vida das pessoas, defendendo a ideia de que o acesso à Internet de qualidade deveria ser direito fundamental na constituição, pois sua ausência obstrui o alcance a outros direitos.
“Um exemplo disso foi o auxílio emergencial. Entre os elegíveis, 5,4 milhões de pessoas não tinham conta bancária nem acesso à internet e foram as últimas que receberam. O próprio modelo de cadastramento privilegia os mais ricos”, ressaltou.
Finalmente, Meirelles elencou os riscos de não se pensar nas pessoas ao se traçar estratégias para as cidades, defendendo que cada vez mais o futuro da democracia passa pelo empoderamento do cidadão, que deve ter um papel de fiscalizador do Estado. “O desafio civilizatório é buscar o que une os brasileiros. É preciso garantir o fortalecimento da democracia e que o poder público volte, efetivamente, a trabalhar”, concluiu.